Vegetal Racional: imaginação, tecnologia e educação

        A desumanização presente no mundo contemporâneo é muito bem representada pela falta de criatividade. Assim, o tema criatividade merece foco nas reflexões em busca de saídas dessa areia movediça chamada sociedade contemporânea.
Quando lembramos que
Aristóteles cunhou o termo “ántropos logicós”, devemos lembrar também que sua perspectiva de “lógicos” envolvia todas as faculdades do INTELECTO, inclusive a “fantasia” explanada no livro “Peri Psique”.
Apesar disso, a perspectiva latina que o sucedeu apropriou-se do “Peri Psique” como se fosse um livro “Sobre a Alma” (De Anima) e transfigurou a ideia de “homem capaz de intelecção” na ideia de “homem racional”.
Inevitavelmente, quando Descartes buscou um fundamento para o conhecimento humano, não encontrou mais a amplitude do “nous” (intelecto) de Aristóteles e abriu a modernidade com uma ideia de homem empobrecida, um homem limitado à razão.
Kant tentou ampliar a razão resgatando-lhe a “fantasia” no conceito de “imaginação”, mas o homem já tinha uma ideia de homem limitado à racionalidade. O “animal capaz de intelecção” já se via apenas capaz de racionalidade.
Assim, o “animal incapaz de reconhecer sua intelecção” concordou com a proposta positivista de Comnte: subordinar a imaginação à observação, priorizando a experiência sensível e a ciência.
“Parece que enquanto o conhecimento técnico expande o horizonte da atividade e do pensamento humanos, a autonomia do homem enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de manipulação das massas, o seu poder de imaginação e o seu juízo independente sofreram aparentemente uma redução.
O avanço dos recursos técnicos de informação se acompanha de um processo de desumanização. Assim, o progresso ameaça anular o que se supõe ser o seu próprio objetivo: a ideia do homem.” (HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976, p. 6. Grifos nossos.)

Anular a ideia do homem não é algo sem importância. Ao contrário, anular a ideia do homem significa anular o pensamento, pois é impossível pensar sem ideias. Anular a ideia do homem significa transformar o “animal capaz de intelecção” em algo que não é nem animal e nem capaz de intelecção.
A dedicação e prioridade dada à ciência e à tecnologia transformou o mundo, os hábitos do homem e, transformando os hábitos, transformou o homem num homem sem ideia.  Sem ideia, o homem é o mesmo que um vegetal. Esse vegetal capaz de produzir e consumir tecnologia sugere uma nova classificação da espécie humana dentre os seres vivos: o “vegetal racional”.
Enquanto os “antropos logicos” e os “animais racionais” conviveram em sociedades da antiguidade e da modernidade, os “vegetais racionais” constituem a sociedade contemporânea.
Por mais incrível que possa parecer, chamamos a sociedade dos “vegetais racionais” de sociedade do conhecimento. Trata-se de uma sociedade impedida de alcançar prazer, lazer e felicidade com ideias. A satisfação contemporânea é alcançada pelo consumo de tecnologia. Tecnologia nos objetos, nos serviços, nas relações. Tecnologia.
E para que os poucos que vendem tecnologia continuem captando o dinheiro dos muitos que estão limitados a se satisfazer no consumo de tecnologia, é preciso uma nova tecnologia a cada dia. Assim, precisam de novos conhecimentos.
Segundo a UNESCO, criar novos conhecimentos requer habilidade de colaborar, comunicar, criar, inovar e pensar de forma crítica. Como se vê, são habilidades que dependem da imaginação.
Ironicamente, o sistema que “aboliu” a imaginação do intelecto humano depende agora da imaginação humana para conseguir sobreviver.
Ocorre que “vegetais racionais” não desenvolveram a imaginação. Assim, a pretensão de ser a sociedade do conhecimento está impondo à sociedade contemporânea uma contradição sem precedentes.
Essa sociedade sem imaginação está condenada a imaginar um processo educativo que desenvolva a imaginação nos “vegetais racionais”, adultos, jovens e crianças.
A imaginação é, de fato, uma luz no fim do túnel. Tanto para acabar com a sociedade desumana em que vivemos, como para manter a desumanidade na sociedade.





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Um comentário:

  1. Muito a propósito e lúcido artigo, Valéria. A ilustração também casa perfeitamente com o contéudo. A imaginação assim como a ciência ou, a imaginação a serviço do poder é uma perversão. Precisamos de uma imaginação dedicada à vida. Se Justiça é a expressão do amor, então todo o mundo se ordena de uma forma que não existe ainda. Na minha perspectiva não podemos esperar que isto ocorra dentro e através do sistema de poder atual. As mentes que produziram esta realidade não serão as que vão nos tirar dela, embora os indivíduos possam ser os mesmos, os fundamentos teriam que mudar radicalmente.

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